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A Fenda - Poema de Leonor Carvalhão

A Fenda


Espreitei de novo pela fenda.
Gente cansada
Depois de uma longa viagem.
A cidade estava sobrelotada,
Há já alguns dias.
Notei pela minha estalagem.
O frio gelava-me não só os dedos,
Mas também os pés
E, aos poucos, o coração.

Voltei a recolher-me para o fogo,
Arder os medos,
Evitar a confusão.
Dois lutavam por um naco seco,
As mulheres envolviam os pequenos
Que pediam consolo sem razão.
O lume crescia,
E brandia cheio de vida.

Já eram horas altas,
Escasseava a comida
E ainda nem se avistava a merenda.
Bateram de novo na porta,
De novo espreitei pela fenda.
E o desespero, que me gritava num sussurro
Que não cabia mais alma alguma!
Mas espreitei,
Um homem, e uma linda senhora
Montando um burro
Trazendo mais coisa alguma.
“Está lotado, procure outro lado.”
Mas suplicava, por favor,
Fazia frio, e a senhora grávida.
“Não queremos cama, apenas um lugar,
Uma dádiva seja lá onde for.”
Olhei a senhora, e então,
Descongelou-se-me o coração.
O seu véu esvoaçava
E me levava o desespero e o medo.
Estiquei o dedo, em frente,
E indiquei-lhes o caminho.
Não era muito grande, o estábulo,
Mas serviria perfeitamente…
Fechei a porta, de mansinho.

Estávamos ao redor do lume
Quando um grito cortou o ar,
Os sinos começaram a soar,
As mulheres ajoelhavam-se,
Os homens tiravam o chapéu.
Espreitei pela fenda,
E ao fundo, por cima do estábulo,
Nascia uma enorme estrela no céu.

Leonor Carvalhão (ex-aluna)
Natal 2011

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