Solteiros 3.0: o amor deixou de ser para sempre?
O solteiro
3.0 muitas vezes nem se chegou a casar e aterra sem pára-quedas numa espécie de
meia-idade prematura, cheio de energia e alegria, como se tivesse renascido da
uma morte lenta.
O mais provável é que
nunca tenha sido para sempre. Não me refiro ao amor de pais aos filhos, esse
doce sentimento familiar que raramente se corrói e subsiste a males e
desgraças. Nem do amor ao próximo e aos animais. Falo do amor que nasce da
paixão e fica quando ela não resiste. Estaremos perante um novo paradigma
social, face à nova onda de relações assentes em contratos a termo?
Não me parece. A mudança
a que estamos a assistir é condicionada e aparente. Condicionada, porque os
nossos comportamentos só estão mais visíveis, mais transparentes e mais fáceis
— socialmente esta mudança está a ser mais aceite. Aparente, pois há um século
a esperança média de vida era de 50 anos e hoje ronda os 80. Vivemos mais!
Portanto, muitos dos que achavam que amavam para sempre, simplesmente não
viviam tempo suficiente para descobrirem que talvez não. O mesmo efeito
acontece com a saúde: as doenças cardiovasculares só chegaram ao topo das
causas de mortalidade porque as pessoas passaram a viver tempo suficiente para
o provar, uma vez resolvido o problema das infecções.
Este é obviamente apenas
um dos vértices da questão. Porque o argumento mais importante é que hoje as
pessoas resistem menos a viverem num amor morto, numa relação que transforma o
lar numa casa mortuária feliz, onde a câmara ardente se vive com a
tranquilidade de quem se habituou à ideia que basta sobreviver. O tempo dessa
condescendência já passou e, em parte, graças à tecnologia que vai denunciando
as pequenas infidelidades e as grandes deslealdades. E uma vez descobertas, já
ninguém aguenta. Até porque o solteiro 2.0 — o divorciado de há duas décadas —
era um marginalizado social de que não há memória. O solteiro 3.0 muitas vezes
nem se chegou a casar e aterra sem pára-quedas numa espécie de meia-idade
prematura, cheio de energia e alegria, como se tivesse renascido da uma morte
lenta. Mais do que tolerados, já são socialmente normais. Bem vistos, até, por
terem tido a coragem de querer voltar a viver e a celebrar essa vontade em
animados festins de grupo.
Essa celebração é
saudável, porque é autêntica e genuína. Porque tudo o que faz querer viver mais
e sorrir melhor vale a pena. Mas substituirá no longo prazo a necessidade de um
amor que fique? Julgo que não.
Será o amor para sempre
impossível? Não. Provavelmente só é muito difícil, como tudo o que vale a pena.
Porque o mais fácil é apaixonarmo-nos. Complicado é mantermo-nos apaixonados,
interessados. Não é obviamente em câmara ardente que se segura um amor para
sempre, mas duvido que seja com renovação de roupagem que nos fazemos vestir de
felicidade. Precisamos de saber dar aos outros como se fosse a nós mesmos e
interessarmo-nos por quem amamos como se fosse connosco. Porque só assim nos
mantemos interessantes, precisos, parceiros, nossos. Porque essa é a
característica patente nas relações que duram: nas relações familiares, quase
sempre imortais.
Embora fundamental, este
altruísmo para com quem amamos não chega. Precisamos de saber renovar, de
aprender e dar de novo, de começar tudo como se fosse hoje a última vez. Como
se fosse a primeira vez, num rastilho com cheiro a pecado até o aroma ser doce outra
vez. Porque um amor sem altos e baixos é como um deserto: adormecemos na
monotonia de uma paisagem sem cor.
Pedro Barbosa
Jornal Público
7.05.2014
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